Opinião: O aprofundamento religioso do bolsonarismo | Descubra as conexões entre política e religião

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No discurso de abertura da manifestação bolsonarista do dia 25 de fevereiro deste ano, Michelle Bolsonaro fez uma autocrítica: “Por um bom tempo, nós fomos negligentes ao ponto de falarmos que não poderiam misturar política com religião (...) E o mal tomou, e o mal ocupou o espaço”.

Por que a mudança de tom?

O evento do dia 25 foi organizado pelo pastor Silas Malafaia, que já tinha organizado a manifestação bolsonarista de novembro de 2023 na Avenida Paulista. Na ocasião, em meio a críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF), ele disse: “A quem recorrer? Só ao povo e a Deus”. Mais ninguém? Malafaia teria se esquecido de quem acolheu os acampamentos bolsonaristas após a eleição de Lula? Teria se esquecido de faixas como “intervenção militar já com Bolsonaro”, que, desde 2020, ilustram o céu das manifestações bolsonaristas? Teria se esquecido do general Eduardo Pazuello e dos milhares de militares que inundaram o governo passado?

Por que a mudança de narrativa?

Certamente, Silas Malafaia não se esqueceu de nada disso. Os militares desapareceram de seu discurso e dos atos bolsonaristas deste ano por não terem promovido a reiteradamente solicitada “intervenção militar já com Bolsonaro”; por não terem dado as caras no 8 de janeiro; por serem “melancias”. E, sem as Forças Armadas – o terceiro termo da tríade bolsonarista –, só restaria mesmo recorrer “ao povo e a Deus”, como disse o pastor.

Como a religião se faz presente?

Daí o tom ainda mais religioso do discurso de Michelle Bolsonaro na manifestação de 25 de fevereiro. Daí, também, a viagem do governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, a Israel, a convite de organização que representa a comunidade brasileira naquele país. Segundo a referida organização, a viagem pretendia “permitir a visita e o registro dos resultados do ataque terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro e que os governadores e prefeitos entendam impactos sociais e econômicos causados pela guerra”.

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Indagado sobre o porquê da viagem, o governador respondeu: “Temos parcerias importantes com o governo de Israel, compra de equipamentos (...), estamos aceitando o convite e pronto. Sem ideologia e sem política”.

Qual o propósito por trás das ações?

A última frase dessa resposta merece um comentário. De fato, a viagem de Tarcísio de Freitas não tem exatamente um objetivo político. Seu objetivo é eleitoral; é semear votos de evangélicos simpatizantes de Jair Bolsonaro/Israel. O objetivo da viagem de Tarcísio àquele país, portanto, não é político nem humanitário, é autocentrado. E quando o assunto é religião, a ideologia realmente perde espaço. No lugar dela entra o dogma.

Como se desenrola a narrativa?

De um lado, as ideologias podem ser entendidas como mapas mentais, pois oferecem às pessoas uma visão mais ou menos coerente do mundo como ele é e como ele deveria ser, assim orientando-as em seus julgamentos e ações. Para serem plausíveis, as ideologias devem se referir ao seu contexto concreto, estando sujeitas à refutação. De outro lado, os dogmas são normalmente mais herméticos, pontos fixos na determinação da compreensão ou da ação do sujeito. Um problema que não encontre resposta num dogma não afeta o dogma; deixa de ser um problema. O dogma não convida à investigação/refutação. É uma questão de fé (no campo religioso).

Dogmas podem ser instrumentalizados, porém. Isso ocorre quando se atribui um sentido ao dogma. É o que parece ocorrer, de maneira especial, no discurso de Michelle Bolsonaro de 25 de fevereiro. Ao defender a “mistura” entre política e religião para evitar ou combater “o mal”, Michelle remete a dimensão íntima e peremptória da religião ao campo interpessoal e controverso da política. Assim, assemelha a esfera pública à esfera íntima e embaralha interesses sociais (transigíveis) e convicções pessoais (intransigíveis).

Qual o desfecho?

Num tal cenário, questões eminentemente políticas seriam rebaixadas, acomodação de interesses viraria traição e problemas políticos passariam a depender da lógica religiosa para resolver-se. O eleitor, então, se aproximaria do fiel, e o poder político assim erigido operaria como força inevitável e irresistível. Num tal cenário, até os militares deixariam saudade.

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DOUTOR EM DIREITO PELA USP E PELA UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI TORINO, INTEGRANTE DO INSTITUTO NORBERTO BOBBIO, É PROFESSOR DA FADI E FACAMP

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